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chovendo no molhado.

eu quero toda a chuva para mim. não abro mão nem o guarda-chuva por causa de uma gota de água. não quero para lavar a alma muito menos roupa suja. eu quero cada pingo, respingo, e até menos que o pingo chovendo em mim. quero descer do carro no meio da avenida e deixar o guarda-chuva no porta-luvas. como quem espera pelo par desacompanhado, enquanto desesperado olha os outros guarda-chuvas abrindo em botões, riscando cores e valsas no céu.

 

quero meus cabelos desmontados e encharcados e alagados de um suor frio de inverno. quero meus lábios molhados senão por outros lábios que não os das nuvens. quero minha vida embaçando a janela e o tédio no final da tarde. deixem correr, deixem meu cavalinho na chuva, me deixem pegar uma friagem. quero a chuva toda para mim.

 

as roupas pesadas prendidas ao corpo, a alma escorrida no varal. um corpo só e somente meu, inundado de lágrimas que não são minhas, confundindo-se com mágoas que morrem afogadas no temporal. despenteando pensamentos, levando meu presente para o quintal do passado. não avanço uma poça longe daqui. deixo-me magoar, deixo-me molhar por suas palavras. as minhas mãos que bebiam do seu corpo, agora matam a sede na calçada.

 

vou fazer da minha felicidade solitária, minha tempestade no seu copo de água.

 

gustavo.

10 itens ou menos.

as revoluções em toda história nunca foram feitas de princípios ou ideologia. ninguém coloca um pé para fora de casa por um simbolismo impalpável ou uma sensação de desconforto de espírito. entretanto, uma dispensa vazia é motivo suficiente para deixar qualquer estômago roncando rebeliões e bocas salivando revolução. barriga vazia, casa do diabo. napoleão foi destruindo meia europa até portugal por causa de um pastelzinho de belém; hitler fez um escarcéu em paris porque adorava uma baguete; alexandre, o grande deixaria seu império ir à baixo se não fosse uma porção de quibe cru e tabule. eu faria por bem menos.

 

mas nem um grande conquistador ou líder militar de poltrona, avança suas tropas sem um plano. é preciso armar o cavalo de batalha e o carrinho de compras. é neste momento que se desencostam as tias bovinas e gordas de suas suadas e mofadas poltronas, desligam-se os aparelhos de televisão sintonizados religiosamente ao “vale a pena ver de novo”, e se posiciona todas as aquelas arrobas, massa mórbida e crônica, ruminando no banco do passageiro. não há receio nenhum também em pedir a criança recém - nascida da sobrinha ou da vizinha libidinosa / burra ou rampeira / inconseqüente. tudo para angariar territórios e posições no estacionamento e nas filas do caixa rápido do mercado. não custa nada, não se perde nada. consciência não pesa na compra do mês.

 

se for vaga a consciência, o oposto se diz ao estacionamento. cada espaço e lacuna são disputados. existe certo pesar ao passar pela vaga dos deficientes físicos; sente-se resignado ou culpado por ocupar aquele espaço. eu não me sinto nem tão culpado ou fatigado para simular uma cãibra sequer. diferentes dos hipócritas que deixam seus escrúpulos pesarem na consciência e na perna, atrofiando-a aos olhos dos mesmos judas do caixa-rápido.

 

os ocupantes do caixa-rápido são verdadeiros desgraçados. não digo pelo mau-humor em promoção anunciado em todos os corredores nem pela expressão bestial de felicidade a cada novo cliente que se submete a sua presença. os humores passam rápidos e nada valem entre os itens no carrinho.

 

rápido demais. os itens desfilam das prateleiras às mãos dos caixas e logo estão no carrinho alheio. é uma relação promíscua e lacônica. por curtos momentos elas têm toda sorte de produtos importados e mesmos aqueles ordinários que parecem tão essenciais ao escorrer pelas suas mãos. em outro momento, os olhos se perdem e as mãos automáticas que não seguem o pensamento e o desejo. eles os tocam, os vêem, mas não os terão. então, sobram julgamentos e olhos gananciosos sob os preços e mercadorias. mas isso não paga a minha conta nem a cota de sarcasmo do caixa. não, não, isso não basta, é preciso sacanear.

 

“moço, preciso confirmar o preço da mercadoria com o chefe da seção, ok?” neste momento, coloca o microfone na altura da boca, e contra meu ego. “atenção todos os caixas, confirmando preço de pomada para prurido anal e preservativo johnson & johnson, repito, pomada para prurido anal e preservativo johnson & johnson. caixa sete, pomada para prurido anal, camisinha baby.”. é como se por um momento o mundo inteiro soubesse que tenho um pênis pequeno, que tenho coceiras abomináveis no reto. é, e eles ficam sabendo.

 

porque ainda que vencidos os preconceitos e as compras no mercado ninguém deixa de comprar nada, ninguém deixa de julgar nada. o raciocínio em oferta de que você é o que você compra ou você é o que você come – ou quem você come – é pesado, é medido; na hora, no caixa. cremes vaginais, pomadas por feridas de fricção, camisinhas tamanho bebê. tudo vende caráter. compramos e coletamos egos duplicados nas gôndolas, corremos um corredor de espelhos onde o produto à venda é nossa imagem e semelhança. estamos nus nas filas dos caixas, empurramos carrinhos abarrotados de sósias em pêlo. por isso não recrimino o prazer das caixas de mercado. estou na mesma prateleira que elas. não deixo de julgar um livro pela capa, uma mulher pelos sapatos ou um homem pelo pênis.

 

a moral vale quanto pesa e ninguém gosta de carregar peso nas sacolas.

 

então, sem peso nas mãos ou na consciência, tiro as chaves tilintando do bolso e vou embora. não finjo síndrome de down e não faço caras e bocas. não sou do teatro, não gosto de teatro, não tenho paciência para artes cênicas. nunca entendi ou esforcei-me para compreender o significado de uma peça, de ir à merda ou quebrar uma perna, ainda que o tenha feito com uma freqüência absurda e literal no palco à italiana dos relacionamentos. dada a estréia sem luzes ou bravo, o talento ao fracasso, não traço linhas ou marco espaços com a perna. não consigo fingir, não me contenho ao dissimular e me desfaço: sou perfeito, sou bonito e não sou coxo – quebrei as pernas e fui à merda com a metáfora de machado. aproveite o lote, brás cubas.

 

entro no carro sem o menor indício de resfriado ou mal-maior. nem ao menos tento puxar uma perna. a única coisa que arrasto é um carrinho abarrotado de compras e uma humanidade leprosa, que vai rasgando as sacolas e deixando pedaços de caráter até ao carro mediocremente estacionado na vaga reservada a minha situação: deficiente moral.

 

gustavo.

digno de nota.

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1. uma dúzia de ovos há serem devolvidos em uma série fordista e brutal para a cloaca da galinha gorda do caixa 2 que não sabe fazer conta porque matava aula para transar com o inspetor da escola. r$ 3,32.

 

2. um maço de cigarros marlboro light, 20 cigarros de filtro longo, todos apagados cuidadosamente no mamilo do empacotador virgem e mórbido que olha desconfiado e com reais dúvidas quanto ao número e ao uso das camisinhas que coloca na minha sacola. quem dera que a intimidade que ele divide com a comida, ele tivesse com o pênis. r$3,00.

 

3. uma garrafa de leite parmalat, um litro, inteiro ejaculado na boca da vaca prenha e solteira com um bezerro a tira-colo, que adora fazer a íntima com o mais novo e seboso gerente de caixa do mercado. r$ 2,09.

 

4. uma caixa de balas tic-tac, 35 pastilhas mentoladas em média, gradualmente depositadas no reto do tio patinhas de merda à minha frente, que parece desfrutar da mesma paciência e masoquismo que eu por não entender o conceito de caixa rápido, e assim pensa não ser nada demais trazer um galão de moedas para pagar a compra do mês. r$ 1,50.

 

5. um quilo de peixe, bacalhau português, friccionados contra a genitália escura e fedida do bicho-pau atrás de mim, vestindo papel celofane roxo e calcinha bege bordada em saco de ração. r$ 54, 89.

 

6. uma garrafa de vinho chileno, para beber enquanto estes pobres imbecis se matam na minha frente pela atenção da caixa, que sua como uma porca e arrebenta os botões da camisa amarela e amassada só com os pensamentos de gordinha triste e mal-comida. quando terminá-la, eu irei quebrá-la na cabeça enorme e gorda da caixa e chamar toda a atenção para mim. r$ 31,10.

 

total: r$ 95, 90

 

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- posso pagar com o corpo?

- não aceitamos pessoas sujas na praça.

- vou te passar um cheque.

- ok.

 

 

gustavo.

baby boom.

eu não suporto a paternidade. não acredito em relacionamentos, muito menos em filhos. nada mais. só não me vêm à cabeça ou põe-me em ereção a idéia de encher a casa de crianças mimadas e cães nojentos ou gatos encardidos. vivo a parte real da das coisas, não me escondo atrás da tampa de comerciais de margarina.

 

claro que tenho algumas fantasias – todas sexuais – para suportar os dias que não venço ou para quando for preciso inflar meu ego por todo bar, roubando todas as atenções e oxigênio do ambiente, sufocando de inveja meus amigos. mesmo assim, não curo depressão com sexo católico. não acordo chateado e me disponho a fazer um filho para preencher os meus dias com cor e luz – se o quisesse o fazer, abriria as janelas e explodiria uma lata de tinta vermelha nos lençóis impecavelmente brancos de seda.

 

parece sacrilégio, pecado ou politicamente incorreto dizer isto para as pessoas que se desdobram para movimentar os corpos debaixo dos lençóis e a economia das metrópoles com políticas de baby boom. mas que vão todos para o inferno. por que esta bomba tem que estourar justo no meu colo? porque esse carrinho-bomba que cruzar justo o meu caminho? se o governo quer filhos, faça como a madonna ou a angelina jolie e arremate um lote nas gôndolas dos países africanos.

 

não que não adore crianças. ao contrário disso. derreto-me em amores quando as vejo enclausuradas atrás de seus cercadinhos, amordaçadas com suas chupetas ou atadas em seus carrinhos. mas meu amor tem limites emocionais e econômicos. se não consigo gastar mais que duas semanas e dois cappuccinos com uma pessoa adulta e sexualmente ativa, como o faria com uma criança imaculada e protegida por lei, um menor com toda minha vida pela frente e uma fortuna às minhas custas ? não, não poderia.

 

e vêm me agora este raciocínio fetal e imaturo. não posso deixar de pensar que os filhos são bastardos das frustrações dos pais. eles não são e não têm em si próprios nenhum futuro. morrem prematuros em seus sonhos, enforcados com o cordão umbilical e com os desejos infantis de quem já passou do tempo de crescer. estes pensamentos em móbile não param de rodear minha cabeça: os filhos serão aquilo que os pais nunca foram, e levarão eternamente a culpa por isso.

 

arrebento todos os meus preservativos, despejo na privada o KY se isso não for verdade. eu aposto meus filhos nisso. os filhos ouvirão centenas de vezes, e repetidas e alucinantes vezes que os seus pais fizeram tudo por vocês – ao contrário de mim, que não moveria uma dedinho por eles. e não deixa de ser verdade, quando se sabe que se fazem por vocês, é porque não fizeram o suficiente por eles. os filhos serão os médicos que os pais nunca foram porque estavam doentes com seu fracasso; os advogados de uma causa dada desde o início como perdida; os psicólogos complexados e neuróticos que ajudam a vender todos os livros da estante de auto-ajuda. não há nada de errado nisso. é chance dos pais de ser o que quiserem, nos filhos, quando eles crescerem.

 

desculpem-me, mas eu não entrarei na fila da cegonha nem colocarei sementinhas em lugar nenhum. eu não quero passar o bastão, vou cola-lo na mão; não vou dar a coroa para ninguém, vou morrer com o rei na barriga; não vou ceder o trono, vou prender minhas unhas e dentes nele; não vou passar a bola, a coloco debaixo do braço e vou embora. sem olhar para trás, e muito menos filhos à frente. eu posso ser o que eu quiser ainda. não vou depositar minhas fichas e meu tempo em uma pessoa. em uma criança. ainda que meu filho. e pior ainda se meu filho.

 

iria espernear, chorar, para continuar a me mimarem, quero chamar todas as atenções só para mim. nunca aprendi a dividir, nunca emprestei nada para os meus coleguinhas.  a infantil idéia de ter filhos, ou a iminência de um filho, me embrulha o estômago num cobertorzinho, me engasga com um futuro de pelúcia. não agüentaria embalar nos braços outra coisa senão meu ego. crescer dói.

 

acredito que se nino nos braços um brio perfeito, não preciso de uma criança toda rodeada de mimos, toda fresca, enjoada e nojenta, chata e metida. eu não preciso de mais nada. não vou deixar meu ego de castigo. prefiro abortar. aborto meu filho, aborto até mesmo narciso. não preciso de um espelho enrolado numa coberta, meu reflexo babando numa manta. não quero minha cara no focinho de ninguém. meu olho é só meu, minha boca é só minha, meu cabelo é só meu e de mais ninguém. não quero minha imagem muito menos minha semelhança dobrada. ainda que delicadamente esculpida com uma chupeta em mármore de carrara. ainda que pintada de ouro numa incubadora de prata. não quero.

 

quero e irei continuar gestando uma mentira, vou prosseguir criando uma ilusão, deixando-a crescer até ficar maior que o pai. e quando não puder mais controlá-la a deixarei morrer.

 

e neste dia quero que meu ego e todo seu enxoval de mentiras me levem com ele. porque como qualquer pai, eu morreria pelo meu filho, e não suportaria viver um minuto sem ele.

 

gustavo.

até que a morte me separe de vocês.

- eu, gustavo stevanato, deixo em testamento: meus livros e meus pensamentos sujos para graziele shimizu, meu estilo impecável e borras de café e futuro para flora miguel, meu ray-ban retro e as listras das minhas camisetas para david santoza, meu aspirador e meu apêndice para murilo moro.

- gustavo, você só precisa dizer aceito.

- desculpa. aceito, é... acho que aceito sim.

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eu nunca peguei um buquê. nem ao menos conheci que tivesse chegado perto do mesmo. talvez seja lenda ou pretensão de tia gorda e largada, ou tenha mesmo me sabotado este tempo todo para não casar.

 

não é porque não tenho terno ou religião. essas coisas se pegam emprestadas, são negócios de ocasião. e o problema também não é propriamente as candidatas. desfruto de bons vinhos e certo conforto em alguns corpos. o que não quer dizer que tenho todas as mulheres aos meus pés – por falta de oportunidade e tempo imagino.

 

minhas preocupações não estão comprometidas com os votos ou com o sim. essa é a parte fácil. e obrigatória de certa forma – qualquer pessoa pode dizer que ama a outra, não é tão difícil quanto parece ou tão impossível quanto se pensa. porque não sobram dúvidas ou falsidade ao dizer que amo e aceito uma pessoa para ser minha companheira pelo resto da minha vida. porque o amor vence tudo, ou qualquer verdade.

 

por isso é fato consumado e respeitado que não pode haver não. as condições são sempre as mais favoráveis possíveis. as ex-namoradas ciumentas, obsessivas, maníaco-depressivas ou com algum histórico de violência doméstica não foram convidadas. e se o foram por algum motivo escuso ou prima gorda, aquelas ficaram plantadas na porta ou sedadas na limusine. as tias invejosas e amigas agourentas e encalhadas só são serão percebidas na festa, com seus vestidos estampados gordos e horrorosos, onde pequenas margaridas viram enormes girassóis esticados. elas não causarão maiores estragos do que respirar em sua presença. então, não há porque se amarrar a grandes preocupações, você está se casando e isso já é uma. por isso, o caminho para o não e para a felicidade já está totalmente liquidado, e o que te separa seu ser canalha do inferno familiar é apenas um sim.

 

mesmo porque quem se atreveria a dizer não para alguém depois de ter organizado uma cerimônia para quinhentos convidados, gastar fortunas com o bufê, pedir dinheiro emprestado para o pai da noiva, e como não se bastasse, entrar no cheque especial para comprar o vestido– que você nem pode se dar ao luxo de ver antes, mesmo pagando por ele, por cada fio e renda – vender a alma para o diabo do divino sacramento religioso para conseguir uma paróquia para o dia desejado e dividir em suaves pagamentos até as bodas de prata as prestações de uma viagem para a europa?

 

ninguém, meus senhores. por isso que se chama cerimônia de casamento, porque, obviamente, irá acontecer um casamento e querem que você esteja presente – e levem presentes, porque, afinal uma casa e um casal não se mobíliam sozinhos. não adianta agourar, amarrar trabalho ou fechar a macumba. não é novela do manoel carlos ou filme do richard gere. desistam. se quisessem mesmo dizer não para outra pessoa, não chamariam setecentos convidados para presenciar seu fracasso pessoal e sua vida sentimental degradada; acredito que o fariam num café escondido no centro de são paulo, num dia de chuva e poucas perspectivas de futuro, pagando 2,50 por dois cappuccinos e um croissant. e ao final deste momento pediria a sua mão que se recolhesse com seus trocados e dispensasse as alianças, porque eu pagaria a conta. porque sou um gentleman, e o que me falta de caráter é compensado pela boa educação. deixo para o garçom umas moedas e o peso do matrimônio na caixinha de gorjetas. saio com os bolsos e a consciência limpa.

 

penso então que meus relacionamentos justificam minhas escolhas. meus affaires não possuem estabilidade psicológica suficiente para manter um relacionamento. e o que diria um casamento. é uma das vantagens de fazer inclusão social na ala da psiquiatria – outra é que o sexo é tão excitante à medida que foge da normalidade, ao ponto de pensar que papai-e-mamãe é coisa de idosos e inválidos e 69 brincadeirinha de adolescentes nojentos. e aí penso que esse brincar de médico talvez tenha ido longe demais.

 

finalmente, o problema que vela o casamento, do gole seco do sim ao arroz de festa alvejado contra os noivos, é o fato de soar tão definitivo, tão final. o matrimônio não soa com um começo, mas um fim. é frustrante pensar que depois de tudo, não resta mais nada. saber que não lhe restam mais surpresas e forças, pois, do altar para frente, sua vida será toda planejada e estruturada, e você não dará um passo para fora do matrimônio sem deus ou esposa saberem - ou não; e é ai que surgem as emoções e os advogados e desaparecem-se os bens.

 

senhores convidados presentes, aceitem que o casamento está longe de ser uma caixinha de surpresas ou uma montanha russa de emoções. por trás de todo glacê e clara em neve do bolo de casamento, marido e mulher são cozinhados em banho-maria, em água morna. não há espaço para inovações culinárias. é o básico, o necessário, o arroz com feijão, o açúcar com afeto. e mesmo assim, às vezes azeda.

 

por isso penso que nunca me casarei. porque não acredito no casamento, porque não acredito suficiente em mim. o casamento é um pelo outro, e eu quero só eu. amo-me demais para me dividir com outra pessoa. mas se ainda assim, um dia caminhar contra minhas convicções e quiser ir mesmo até que a morte nos separe, espero ao menos que ela não demore demais.

 

gustavo.

post-it

lembrar de postar um texto belo por aqui.
em breve.

gustavo.

você é linda, mas não significa nada para mim.

nossos esforços não irão nos redimir do pior que está por vir. não importa ou se faz questão de quanto lutamos para isso dar certo. nada disso irá acontecer. o que podemos prometer a nós mesmos é que não olharemos para trás e ficaremos pensando, deitados em arrependimento e resignação, em que momento nossos dedos se desataram e escorreram por debaixo da mesa. não adianta mais pensar, no que poderia ter dado certo. o que não se pode negar quando nos afogarmos em orgulho para ficar emersos sobre as lágrimas, é que não vamos ousar. não vamos nos amar. não vamos querer ver mais um o outro. eu quero ir embora. e mesmo que ainda sob passos pesados eu queira algo constante sobre meus pés, não olharei para trás, não darei a volta. eu não posso garantir que você ficará bem, eu só posso me certificar que eu não ficarei mal. mesmo quando estiver deitado no chão da sala, dirigindo triste com os faróis apagados em devaneios sem volta, querendo aspirar cada golpe de brisa, cada beijo sem resposta, mesmo quando abrir a janela e debruçar-me sob cada sentimento enquanto espero a chuva - gosto de ver a chuva caindo abrindo os guarda-chuvas em botões na rua, porque quando caem as onomatopéias no telhado de zinco lá fora, sinto chover aqui dentro também – mesmo quando meus olhos forem apenas garrafas vazias e copos quebrados, mesmo quando minhas roupas ainda perpetuarem seu perfume, não me enterrarei em cova rasa, não velarei esperança. porque as velas que desenhavam nossas sombras no quarto escuro e riscavam movimentos contra a luz, já foram consumidas pelo calor da chama. e agora só resta vergonha e medo. nós que éramos íntimos da escuridão, que tateávamos encaixes à quatro mãos, conhecíamos cada presença, cada parte e peculiar intimidade, não conseguimos mais unir duas em um. não preciso de ajuda para limpar o chão ou juntar os cacos. se sempre estivemos aos pedaços, não queira juntar tudo agora. prove o resto, leve o resto. eu vou entrar perpétuo por debaixo das cobertas e manter naquele espaço que descobrira entre travesseiros e braços sua ausência. vou me envolver na presença no vazio, no colo da madrugada. e deixar que as paredes pintadas do quarto não me sufoquem com sua presença ainda fresca.

gustavo.

paciente: gustavo c. stevanato

diagnóstico: pessimista, preguiçoso, cínico, ranzinza, rude, com desvios graves de caráter, dissimulado, sexualmente ativo, mentiroso, pseudo-intelectual vanguardista, nada confiável, fígado corroído, uma fraude crônica.

2:30: o médico já assinou consigo mesmo o tratado que apenas esse paciente – no caso o idiota que vos fala – o separa do cigarro. então, vamos ser práticos. mão no queixo, coça a cabeça, cerra os olhos, tira os óculos, saliva, saliva, saliva, morde o lábio de baixo, um grunhido qualquer de quem está dominando a situação e pronto. diagnóstico feito e ironia marcada: “você não parece que está com muita dor”. “mas estou com dor, sim” – essa é a resposta combinada pelo contrato social envolvendo minha educação e bom senso com a medicina. mas recolhendo o desaforo já guardado no bolso esquerdo da calça, pensei: “doutor, eu preciso estar pincelado com magenta e verde para o senhor entender que estou mal? eu não estou com ebola ou tifo. estou com dor no maxilar e muita dor de ouvido. se faz necessária uma necrose facial para o doutor entender que não me sinto bem? dê-me um remédio para isso e vou embora sem compromisso de retorno ou mágoas. e ficamos quites. o senhor finge que me tratou com excelência e eu finjo que estou satisfeito com seu diagnóstico. pode ser?” claro, terminado o pensamento, escorrido o veneno, o momento escapou-me entre os dedos. levaria o desaforo e o troco do café para casa.

3.20: chego à outra sala para tomar uma injeção – não fui embora ainda porque não existem visitas rápidas ao hospital, ou você demora a vida ou a deixa por lá mesmo, engavetada em cova rasa. o interessante é que não se aplicam mais injeções. agora, incluídos no avanço tecnológico – ou na falta de recursos – os medicamentos são aplicados via soro. o que aconteceram com as enfermeiras braçudas e grosseiras e tatuadas, com as agulhas e todo momento de tensão e psicose ao se aproximarem de uma veia? será que a vigilância sanitária descobriu que as estagiárias compartilham agulhas e as aboliram do hospital? claro, desfazendo a ambigüidade e sonho, as agulhas. não foi possível evitar o confronto com o brutamonte de traços de concreto desfeito, paralelepípedo trincado. dirijo-me a sala procurando a cadeira elétrica ou tripé de soro mais firme para se enforcar. não os vejo. apenas poltronas confortáveis a minha frente, pessoas desconfortantes do meu lado. velhos, muitos velhos. estou bem perto da morte, diria na verdade, ao lado, dividindo ombros. o universo igualava os anos de vida e poeira acumulada no espaço. orelhas e olhos distendidos pela gravidade dos anos. e bocas, muitas bocas duelando com a capacidade de bater os dentes amarelos e podres escorrendo saliva e veneno. como eu queria que aquela sala fosse uma câmara de gás. por um momento, achei que seria imune ao banho tóxico de expiração nítrica. e naquela altura a morte não seria um problema – pelo menos para eles. eu faço questão de quando tingir as cãs nas têmporas, morrer, sem cerimônia alguma. eu deixo a corda correr solta durante o mesmo momento que confesso essa morbidez. se já conto vinte anos, outros vinte - talvez estes mais cinco – se fariam suficientes. não preciso ficar velho para me dar conta que sou chato e ranzinza e reclamo da vida. tenho espelho em casa e informantes constantes atentos a cada passo dado, a cada gota de veneno borrifado. então, dali para frente – marcado pelo momento histórico p.m (pós-mim), pelo menos em minhas notas fúnebres assim estará - podem chamar os carrascos, anunciar o dilúvio, atiçarem os gafanhotos, eu não a mínima. não estarei mais na platéia. podem continuar se desintegrando à vontade com o resto de pó no canto da sala. vou para o raio-x. e desculpem-me pela bagunça.

4.15: sentado na sala de espera. simplesmente me acomodo na cadeira de pés agudos de ferro como se fosse berço esplêndido sem som do mar e com a luz do sol do céu profundo na cara. assim mesmo, sem óculos de sol retro chic, protetor ou bronzeador solar fator 40, bola colorida ou garota de ipanema me dando mole na beira da praia. mesmo nestas condições, odiaria tudo, porque detesto praia. descanso meus ossos em posição cômoda, exceto o maxilar que dorme de mau-jeito. preciso distrair. relaxar. cigarros? os fumantes se reúnem na oncologia, mas não tem mais nada aceso por lá. então vou queimar as pessoas, acender meu ódio. trago os olhos fora de foco para a figura de quem chega. mulher, 45 anos, vestidinho de lavadeira, sorrisinho de puta. a moça do outro lado do balcão, “qual o endereço?”, eu respondo: “ no olho do inferno, aluguei um puxadinho na casa do diabo, com vista para a praia grande, sua vadia”. na verdade, era mais longe. 3 ônibus, 7 quadras, e uma reza forte para não chover e alagar tudo. chamam meu nome. agora vão ver se sou amargo até os ossos mesmo.

5.15: fui para o nada, tomei soro no almoxarifado, tirei um negativo em tábua rasa e em cova fria, e voltei para o lugar nenhum. o médico, agora, um clínico geral. um clínico geral tem a mesma função que o balcão de informações: dizer que você está errado e o que você procura não está ali. “doutor, eu acho que meu maxilar está fora do lugar”. “não, não é isso não. deixa eu te explicar. não é minha especialidade, mas posso te indicar outro médico para te analisar e dar um diagnóstico mais preciso”. “mas doutor, eu não consigo falar e minha boca está sangrando. o senhor tem certeza que não é aqui na boca?”. “não sabemos e ainda não podemos ter certeza de nada. pode ser um pêlo encravado ou um pé quebrado. não podemos afirmar nada”.
enquanto isso, vou bebendo café de água de calha, folheando a manchete, conhecendo pessoas novas, gente bonita, doente, catatônica, com fratura exposta ou rasgada de fora a fora. adoro. ficarei aqui esperando um médico com especialidade em pessoas, para desintoxicar meu brio e colocar ataduras no meu ego. e torcendo para não ter contraído varíola.

gustavo

o inferno são os outros

eu acho que não gosto muito das pessoas. nada contra elas. ou tudo contra, na verdade. as pessoas são chatas demais. precisam de favores, dependência, plantões, noites mal-dormidas e companhia nos dias de menor inspiração. parece-me que fora de relacionamentos, ainda sustento vários. e o pior compromisso é saber que elas se importam com você – e não dormem com você. não que pense que morrer sozinho seja uma boa idéia – e também não quer dizer que a descartei – mas é que as pessoas realmente acreditam que me importo. a verdade? não. os ombros molhados, as contas quilométricas do café e os porres nas festinhas não vão me fazer gostar mais de você.

eu não desprezo as outras pessoas, se outrora pensasse em alguma delas, decerto desprezaria. mas agora não. não estou pegando pesado, a critério, bem leve – quando a rigor não queria nem tocá-las. talvez o lapso de adoração que tenho pelas pessoas é saber que elas são fáceis de abandonar. indiferentemente. nós perdemos pessoas todos os dias, e quiçá, por todos os minutos. sem nenhum remorso. e é isto que as faz por minutos suportáveis interessantes. saber que elas irão embora. e quando elas não vão, eu vou. de caso pensado. sem desculpas de ir ao toalete ou promessas que voltarei depois ou que vou ligar no dia seguinte. viro as costas e desapareço nos frangalhos da comunicação e do que mais ficou a frente dos meus pés. não fico mais suspenso em expectativas. elas não significam nada para mim. um último toque e irei embora, e vamos fingir que significou algo muito maior - quando na verdade foi menos do que insuficiente. e mesmo num último toque, num breve suspiro, nós mentimos, ou pelo menos eu o faço sem pesar algum. quando respiramos fundo demais, quando jogamos o olhar para as banalidades dos instantes ou bebemos copiosamente um copo vazio e sempre, sempre quando hesitamos e engolimos o caráter e alguma dignidade a seco. mas nunca quando ruborizamos. e parece-me a vergonha o sentimento único do mundo em verdade.

não que de fato, acredite que a verdade é de longe a solução de todos os problemas. na verdade, é a causa mortis deles. desde as verdades dita em horas impróprias sob a graça de uma gafe a mais cristalina e transparente das verdades que acompanham as formalidades e os casais em seus escândalos, copos quebrados e alianças tomando vôo pelas janelas. e decerto, é inevitável que todas as pessoas mintam. assim como evitar o mau-humor no café-da-manhã ou o câncer batendo em sua porta. o que diferencia as pessoas uma das outras é um motivo – e quando não único, a situação fica cada vez mais interessante. e não deixamos de amá-las ou odiá-las por isso. ao contrário. devolvemos fascinação aos canalhas e vangloriamos os bandidos. mas ainda me parece o ódio muito mais divertido. e rende ótimas e fugazes conversas, porque falar mal das outras pessoas pode parecer sempre errado, mas nunca um engano.

gustavo