o inferno são os outros

eu acho que não gosto muito das pessoas. nada contra elas. ou tudo contra, na verdade. as pessoas são chatas demais. precisam de favores, dependência, plantões, noites mal-dormidas e companhia nos dias de menor inspiração. parece-me que fora de relacionamentos, ainda sustento vários. e o pior compromisso é saber que elas se importam com você – e não dormem com você. não que pense que morrer sozinho seja uma boa idéia – e também não quer dizer que a descartei – mas é que as pessoas realmente acreditam que me importo. a verdade? não. os ombros molhados, as contas quilométricas do café e os porres nas festinhas não vão me fazer gostar mais de você.

eu não desprezo as outras pessoas, se outrora pensasse em alguma delas, decerto desprezaria. mas agora não. não estou pegando pesado, a critério, bem leve – quando a rigor não queria nem tocá-las. talvez o lapso de adoração que tenho pelas pessoas é saber que elas são fáceis de abandonar. indiferentemente. nós perdemos pessoas todos os dias, e quiçá, por todos os minutos. sem nenhum remorso. e é isto que as faz por minutos suportáveis interessantes. saber que elas irão embora. e quando elas não vão, eu vou. de caso pensado. sem desculpas de ir ao toalete ou promessas que voltarei depois ou que vou ligar no dia seguinte. viro as costas e desapareço nos frangalhos da comunicação e do que mais ficou a frente dos meus pés. não fico mais suspenso em expectativas. elas não significam nada para mim. um último toque e irei embora, e vamos fingir que significou algo muito maior - quando na verdade foi menos do que insuficiente. e mesmo num último toque, num breve suspiro, nós mentimos, ou pelo menos eu o faço sem pesar algum. quando respiramos fundo demais, quando jogamos o olhar para as banalidades dos instantes ou bebemos copiosamente um copo vazio e sempre, sempre quando hesitamos e engolimos o caráter e alguma dignidade a seco. mas nunca quando ruborizamos. e parece-me a vergonha o sentimento único do mundo em verdade.

não que de fato, acredite que a verdade é de longe a solução de todos os problemas. na verdade, é a causa mortis deles. desde as verdades dita em horas impróprias sob a graça de uma gafe a mais cristalina e transparente das verdades que acompanham as formalidades e os casais em seus escândalos, copos quebrados e alianças tomando vôo pelas janelas. e decerto, é inevitável que todas as pessoas mintam. assim como evitar o mau-humor no café-da-manhã ou o câncer batendo em sua porta. o que diferencia as pessoas uma das outras é um motivo – e quando não único, a situação fica cada vez mais interessante. e não deixamos de amá-las ou odiá-las por isso. ao contrário. devolvemos fascinação aos canalhas e vangloriamos os bandidos. mas ainda me parece o ódio muito mais divertido. e rende ótimas e fugazes conversas, porque falar mal das outras pessoas pode parecer sempre errado, mas nunca um engano.

gustavo

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