baby boom.

eu não suporto a paternidade. não acredito em relacionamentos, muito menos em filhos. nada mais. só não me vêm à cabeça ou põe-me em ereção a idéia de encher a casa de crianças mimadas e cães nojentos ou gatos encardidos. vivo a parte real da das coisas, não me escondo atrás da tampa de comerciais de margarina.

 

claro que tenho algumas fantasias – todas sexuais – para suportar os dias que não venço ou para quando for preciso inflar meu ego por todo bar, roubando todas as atenções e oxigênio do ambiente, sufocando de inveja meus amigos. mesmo assim, não curo depressão com sexo católico. não acordo chateado e me disponho a fazer um filho para preencher os meus dias com cor e luz – se o quisesse o fazer, abriria as janelas e explodiria uma lata de tinta vermelha nos lençóis impecavelmente brancos de seda.

 

parece sacrilégio, pecado ou politicamente incorreto dizer isto para as pessoas que se desdobram para movimentar os corpos debaixo dos lençóis e a economia das metrópoles com políticas de baby boom. mas que vão todos para o inferno. por que esta bomba tem que estourar justo no meu colo? porque esse carrinho-bomba que cruzar justo o meu caminho? se o governo quer filhos, faça como a madonna ou a angelina jolie e arremate um lote nas gôndolas dos países africanos.

 

não que não adore crianças. ao contrário disso. derreto-me em amores quando as vejo enclausuradas atrás de seus cercadinhos, amordaçadas com suas chupetas ou atadas em seus carrinhos. mas meu amor tem limites emocionais e econômicos. se não consigo gastar mais que duas semanas e dois cappuccinos com uma pessoa adulta e sexualmente ativa, como o faria com uma criança imaculada e protegida por lei, um menor com toda minha vida pela frente e uma fortuna às minhas custas ? não, não poderia.

 

e vêm me agora este raciocínio fetal e imaturo. não posso deixar de pensar que os filhos são bastardos das frustrações dos pais. eles não são e não têm em si próprios nenhum futuro. morrem prematuros em seus sonhos, enforcados com o cordão umbilical e com os desejos infantis de quem já passou do tempo de crescer. estes pensamentos em móbile não param de rodear minha cabeça: os filhos serão aquilo que os pais nunca foram, e levarão eternamente a culpa por isso.

 

arrebento todos os meus preservativos, despejo na privada o KY se isso não for verdade. eu aposto meus filhos nisso. os filhos ouvirão centenas de vezes, e repetidas e alucinantes vezes que os seus pais fizeram tudo por vocês – ao contrário de mim, que não moveria uma dedinho por eles. e não deixa de ser verdade, quando se sabe que se fazem por vocês, é porque não fizeram o suficiente por eles. os filhos serão os médicos que os pais nunca foram porque estavam doentes com seu fracasso; os advogados de uma causa dada desde o início como perdida; os psicólogos complexados e neuróticos que ajudam a vender todos os livros da estante de auto-ajuda. não há nada de errado nisso. é chance dos pais de ser o que quiserem, nos filhos, quando eles crescerem.

 

desculpem-me, mas eu não entrarei na fila da cegonha nem colocarei sementinhas em lugar nenhum. eu não quero passar o bastão, vou cola-lo na mão; não vou dar a coroa para ninguém, vou morrer com o rei na barriga; não vou ceder o trono, vou prender minhas unhas e dentes nele; não vou passar a bola, a coloco debaixo do braço e vou embora. sem olhar para trás, e muito menos filhos à frente. eu posso ser o que eu quiser ainda. não vou depositar minhas fichas e meu tempo em uma pessoa. em uma criança. ainda que meu filho. e pior ainda se meu filho.

 

iria espernear, chorar, para continuar a me mimarem, quero chamar todas as atenções só para mim. nunca aprendi a dividir, nunca emprestei nada para os meus coleguinhas.  a infantil idéia de ter filhos, ou a iminência de um filho, me embrulha o estômago num cobertorzinho, me engasga com um futuro de pelúcia. não agüentaria embalar nos braços outra coisa senão meu ego. crescer dói.

 

acredito que se nino nos braços um brio perfeito, não preciso de uma criança toda rodeada de mimos, toda fresca, enjoada e nojenta, chata e metida. eu não preciso de mais nada. não vou deixar meu ego de castigo. prefiro abortar. aborto meu filho, aborto até mesmo narciso. não preciso de um espelho enrolado numa coberta, meu reflexo babando numa manta. não quero minha cara no focinho de ninguém. meu olho é só meu, minha boca é só minha, meu cabelo é só meu e de mais ninguém. não quero minha imagem muito menos minha semelhança dobrada. ainda que delicadamente esculpida com uma chupeta em mármore de carrara. ainda que pintada de ouro numa incubadora de prata. não quero.

 

quero e irei continuar gestando uma mentira, vou prosseguir criando uma ilusão, deixando-a crescer até ficar maior que o pai. e quando não puder mais controlá-la a deixarei morrer.

 

e neste dia quero que meu ego e todo seu enxoval de mentiras me levem com ele. porque como qualquer pai, eu morreria pelo meu filho, e não suportaria viver um minuto sem ele.

 

gustavo.

até que a morte me separe de vocês.

- eu, gustavo stevanato, deixo em testamento: meus livros e meus pensamentos sujos para graziele shimizu, meu estilo impecável e borras de café e futuro para flora miguel, meu ray-ban retro e as listras das minhas camisetas para david santoza, meu aspirador e meu apêndice para murilo moro.

- gustavo, você só precisa dizer aceito.

- desculpa. aceito, é... acho que aceito sim.

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eu nunca peguei um buquê. nem ao menos conheci que tivesse chegado perto do mesmo. talvez seja lenda ou pretensão de tia gorda e largada, ou tenha mesmo me sabotado este tempo todo para não casar.

 

não é porque não tenho terno ou religião. essas coisas se pegam emprestadas, são negócios de ocasião. e o problema também não é propriamente as candidatas. desfruto de bons vinhos e certo conforto em alguns corpos. o que não quer dizer que tenho todas as mulheres aos meus pés – por falta de oportunidade e tempo imagino.

 

minhas preocupações não estão comprometidas com os votos ou com o sim. essa é a parte fácil. e obrigatória de certa forma – qualquer pessoa pode dizer que ama a outra, não é tão difícil quanto parece ou tão impossível quanto se pensa. porque não sobram dúvidas ou falsidade ao dizer que amo e aceito uma pessoa para ser minha companheira pelo resto da minha vida. porque o amor vence tudo, ou qualquer verdade.

 

por isso é fato consumado e respeitado que não pode haver não. as condições são sempre as mais favoráveis possíveis. as ex-namoradas ciumentas, obsessivas, maníaco-depressivas ou com algum histórico de violência doméstica não foram convidadas. e se o foram por algum motivo escuso ou prima gorda, aquelas ficaram plantadas na porta ou sedadas na limusine. as tias invejosas e amigas agourentas e encalhadas só são serão percebidas na festa, com seus vestidos estampados gordos e horrorosos, onde pequenas margaridas viram enormes girassóis esticados. elas não causarão maiores estragos do que respirar em sua presença. então, não há porque se amarrar a grandes preocupações, você está se casando e isso já é uma. por isso, o caminho para o não e para a felicidade já está totalmente liquidado, e o que te separa seu ser canalha do inferno familiar é apenas um sim.

 

mesmo porque quem se atreveria a dizer não para alguém depois de ter organizado uma cerimônia para quinhentos convidados, gastar fortunas com o bufê, pedir dinheiro emprestado para o pai da noiva, e como não se bastasse, entrar no cheque especial para comprar o vestido– que você nem pode se dar ao luxo de ver antes, mesmo pagando por ele, por cada fio e renda – vender a alma para o diabo do divino sacramento religioso para conseguir uma paróquia para o dia desejado e dividir em suaves pagamentos até as bodas de prata as prestações de uma viagem para a europa?

 

ninguém, meus senhores. por isso que se chama cerimônia de casamento, porque, obviamente, irá acontecer um casamento e querem que você esteja presente – e levem presentes, porque, afinal uma casa e um casal não se mobíliam sozinhos. não adianta agourar, amarrar trabalho ou fechar a macumba. não é novela do manoel carlos ou filme do richard gere. desistam. se quisessem mesmo dizer não para outra pessoa, não chamariam setecentos convidados para presenciar seu fracasso pessoal e sua vida sentimental degradada; acredito que o fariam num café escondido no centro de são paulo, num dia de chuva e poucas perspectivas de futuro, pagando 2,50 por dois cappuccinos e um croissant. e ao final deste momento pediria a sua mão que se recolhesse com seus trocados e dispensasse as alianças, porque eu pagaria a conta. porque sou um gentleman, e o que me falta de caráter é compensado pela boa educação. deixo para o garçom umas moedas e o peso do matrimônio na caixinha de gorjetas. saio com os bolsos e a consciência limpa.

 

penso então que meus relacionamentos justificam minhas escolhas. meus affaires não possuem estabilidade psicológica suficiente para manter um relacionamento. e o que diria um casamento. é uma das vantagens de fazer inclusão social na ala da psiquiatria – outra é que o sexo é tão excitante à medida que foge da normalidade, ao ponto de pensar que papai-e-mamãe é coisa de idosos e inválidos e 69 brincadeirinha de adolescentes nojentos. e aí penso que esse brincar de médico talvez tenha ido longe demais.

 

finalmente, o problema que vela o casamento, do gole seco do sim ao arroz de festa alvejado contra os noivos, é o fato de soar tão definitivo, tão final. o matrimônio não soa com um começo, mas um fim. é frustrante pensar que depois de tudo, não resta mais nada. saber que não lhe restam mais surpresas e forças, pois, do altar para frente, sua vida será toda planejada e estruturada, e você não dará um passo para fora do matrimônio sem deus ou esposa saberem - ou não; e é ai que surgem as emoções e os advogados e desaparecem-se os bens.

 

senhores convidados presentes, aceitem que o casamento está longe de ser uma caixinha de surpresas ou uma montanha russa de emoções. por trás de todo glacê e clara em neve do bolo de casamento, marido e mulher são cozinhados em banho-maria, em água morna. não há espaço para inovações culinárias. é o básico, o necessário, o arroz com feijão, o açúcar com afeto. e mesmo assim, às vezes azeda.

 

por isso penso que nunca me casarei. porque não acredito no casamento, porque não acredito suficiente em mim. o casamento é um pelo outro, e eu quero só eu. amo-me demais para me dividir com outra pessoa. mas se ainda assim, um dia caminhar contra minhas convicções e quiser ir mesmo até que a morte nos separe, espero ao menos que ela não demore demais.

 

gustavo.

post-it

lembrar de postar um texto belo por aqui.
em breve.

gustavo.

os cinco portões do inferno

negação

"não, não, não, NÃO!"

cólera

"É CULPA SUA! CULPA SUA! CULPA SUA! CULPA SUA!"

barganha

"por favor, por favor, por favor, por favor..."

depressão

"é culpa minha, culpa minha, culpa minha, culpa minha"

aceitação

"sim, sim, sim, sim"


murilo

o ponto do abate

o espelho mostrava o de sempre, o de toda manhã. um par de coxas finas, um par de pernas mais finas ainda que as coxas, um quadril franzino e um toráx com um quê de somaliano de onde se desprendiam duas longas tiras de pele que a ciência denominava braços ou membros superiores (que de superiores só tinham mesmo a posição). tudo isso mais a barba rala e a cara cansada. não importava em que espelho ou de que ângulo olhasse, a imagem continuava ali encarando-o com a mesma cara e as mesmas pernas. era assim todo dia, no quarto, no elevador onde a imagem o saudava com um adeusinho tímido e no carro, pelo retrovisor.

acostumado a tal condição não se importava mais que os ossos do quadril formassem pontas nem que os cotovelos parecessem esquadros, era tudo uma questão de escondê-los. por isso jamais frequentara praias de nudismo e nunca usara uma sunga, dadas as circunstâncias o melhor era mesmo um bom par de jeans e uma camiseta pra cobrir o que restou de massa. no entanto, esse também não era um trabalho fácil. era demasiado alto para não ser notado e os braços (ah! os braços) não negavam a magreza. se vestia uma camiseta sem mangas parecia um hidrante com duas mangueiras de bombeiro; se vestia uma camiseta de mangas longas parecia qualquer outra coisa igualmente comprida e magra.

um dia, olhando-se no espelho como fazia toda manhã antes do trabalho, percebeu algo que o incomodou e que não havia notado até então: como era grande seu pescoço! esticado como se alguém, enquanto ele dormia, secretamente puxasse sua cabeça para cima, cada dia um pouco até que ele finalmente começasse a crescer. só podia! não havia outra explicação, afinal de contas, não se lembrava de ter tanto pescoço ontem e, no entanto, ali estava o maldito a se esgueirar pelas beiradas do espelho.

nesse dia não conseguiu trabalhar. ficou pensando em pescoços, reparando nos colegas para ver se podia se confortar e encontrar uma girafa de escritório que pudesse lhe fazer compania ou lhe dar um conselho. nada, absolutamente nada. a savana estava deserta. definitivamente havia rinocerontes como o Silveira da contabilidade com seu nariz adunco e seu porte gordo; elefantes como o Marquinho do xerox que ele acreditava jamais ter levantado daquela cadeira e leões feito o Rubens que jurava um dia ter sido alterofilista, mas definitivamente nenhuma girafa. nenhum irmão igualmente pescoçudo, nenhuma mulher girafa africana que pudesse confortar a angústia de se sentir uma espécie em extinção, ou pior: um erro na cadeia evolutiva.

à noite sonhou com o crescimento exagerado do seu pescoço. imaginou que um duende vinha secretamente esticá-lo todas as noites logo após cair no sono (ele estava certo!), esticava-o durante horas a fio. até que um dia não conseguiu mais sustentá-lo e se viu arrastanto-o no chão no caminho até o escritório. imaginou-se como uma comprida tora de borracha mole, uma minhoca exageradamente grande esgueirando-se feito uma cobra cega por becos. e agora? o que os colegas de escritório iam pensar? o que o elefante do xerox vai dizer? espera... elefante? é isso!, pensou. é isso! e acordou coberto de suor com os imensos braços enrrolados em volta do pescoço.

acordou com torcicolo mas deixou de lado a idéia do duende, embora o torcicolo pudesse explicá-la perfeitamente, tinha uma idéia na cabeça e precisava anotá-la antes que lhe fugisse. mas o que era mesmo que tinha pensado enquanto dormia? alguma coisa com o Marquinho do xerox, alguma comparação, humm, deixe-me ver, ah! elefante!

decidira-se! engordaria! engordaria até que a banha enchesse todo o excesso de pele, feito a avó quando fazia chouriço enchendo as tripas de porco antes finas e moles até se tornarem grandes e viçosas. como ia fazê-lo ainda não sabia, mas isso não era segredo, mandar tudo o que visse pela frente já era um bom começo. ele que sempre fora de comer pouco, não por dieta; mas sim por hábito, agora comeria de tudo. abandonaria as saladas de que tanto gostava e partiria mesmo é pra batata e pros pães. na sua cabeça já era hora do dinossauro de pescoço comprido tornar-se tiranossauro rex, embora tivesse certeza de que os dois passavam bem longe um do outro na escala evolutiva.

naquela tarde os colegas se espantaram ao verem um imenso prato onde antes existia apenas algumas folhas e duas colheres de arroz e uma de feijão. comeu tudo com gosto, ou melhor, fingiu gosto. depois da terceira colheirada o estômago desacostumado e o metabolismo rápido imediatamente iniciaram um processo de entupimento que ele disfarçou com um sorriso meio amarelo (isso aqui está uma delícia!) na mesa da lanchonete da empresa. entre as conversas com Geraldo (o secretário da mesa ao lado, que, pela cara, não estava entendendo nada do que acontecia) e os imensos goles de suco pra lubrificar a garganta, engoliu tudo, não sobrou um grão de arroz.

sentiu-se mal o resto do expediente todo. tinha vontade de vomitar mas não o faria, do contrário todos os carboidratos e as proteínas se esvairiam privada abaixo. controlou-se. às seis da tarde, pouco antes de bater o cartão do ponto, foi acometido de uma feroz vontade de ir ao banheiro mas, novamente, controlou-se. estava decidido à absorver cada molécula que pudesse lhe acrescentar alguns quilos.

e assim seguiu-se a dieta da engorda durante várias semanas. tirando a constipação e o mal estar após cada refeição estava bem, mas o peso ainda continuava insatisfatório. o pescoço, as pernas, as coxas e os braços continuavam finos e a barba rala estava ainda mais rala e cansada. engordara, isso é fato, mas não a quantidade que precisava para sumir com toda aquela magreza.

não desanimou. o efeito é à longo prazo, pensou consigo e meio que instintivamente continuou a comer feito uma draga ignorando os impulsos do estômago que se recusava a dilatar para receber mais uma colher de comida. por seis meses comeu feito um porco, tudo de mais calórico, tudo de mais gorduroso até que o coração não agüentou a dieta.

deu entrada às seis da tarde no hospital municipal trazido pelo amigo Geraldo que, em meio aos berros dos colegas tentava resgatá-lo de se afogar no próprio prato de feijão que ele insitira em pedir no happy hour. parada cardíaca. o colesterol estava nas alturas. o fígado também não estava bem e as artérias indicavam o início de um entupimento geral. o médico não deu esperanças e muito menos explicou o porque da pane. Geraldo não parava de se perguntar como uma pessoa magrela podia morrer de problema de gordo. se fosse o Marquinho talvez sim.

deitado na cama, semi-consciente, imaginou-se numa savana aberta (devia estar delirando por causa do remédio). suou frio. vislumbrou um bando de girafas que corriam soltas e selvagens por dentre as árvores esparças. percebeu como eram graciosas com suas pernas esticadas e seus longos pescoços inclinando-se para frente de modo a cortar o vento e diminuir seu atrito. percebeu que não estava sozinho e desejou com todas as forças que pudesse correr entre elas. tentou inutilmente mexer as pernas, mas isso só fez com que o pi pi pi do monitor ao qual estava conectado esguelasse para todo o hospital e alarmasse ainda mais um afoito Geraldo que veio correndo à cama sussurando "sossega ai camarada, o médico disse pra não se mexer".

o coração parou às oito da noite do mesmo dia. Geraldo deu a notícia no escritório, por telefone, com a voz meio engrolada. disse que o médico não explicou direito, parece que morreu de tanto comer.

murilo

nosso cersibon



david

scene 1

class room, hot night, noise fans

first person camera/far away vision

a man with a white t-shirt sitting in the first chair of the row in the right, right beside one of the noises fans.

camera shows the man. focus on the sweat drop sliding of his neck to the shirt. the noises of the fan become more intense. another drop slide from the neck. camera follows the moviment of the man's hand. his arm is hairy, the hairs are wet of sweat.

first person camera/close

man's t-shirt becoming wet. sweat drops running on his back. camera closes on a sweat drop that falls into the table (slow motion). the man rub the hand in the forehead. camera closes on the sweat sliding on his hand. the man blows with the mouth.

teacher's voice to anyone in particular (loud): GUYS! HEY, ARE YOU LISTENING TO ME?

first person camera/far away vision

camera turns fast to the teacher's face. the teacher is sitting a little bit behind the viewer, in the last row of chairs in the right. close on teacher's face. he's not mad with the viewer. camera make the same moviment right to the man that was been watched before. there are no sweat. the man is concentrated on the class.

the noises of the fans become less intense. a blow of wind open the door a little bit.

CUT.

murilo

depoimentos de ivan güardia para rita medusa

"meu anjinho desbotado.
meu sacrilégio de incorporações retalhadas:
rótulo de morangos silvestres e doces e ácidos e fervilhantes.

vou amar sua instabilidade até o fim dos arcos plúmbeos do silêncio.
vou reter sua língua na minha voz mental & sinestésica.
queimar calendários convulsivos no trópico de câncer.
esquecer o que não compõem ressurreição.

desamarrarei as artérias que nos levaram para baixo e tatearam algoritmos.
rinoscópios vulcânicos.
lentes da febre eterna.

desejarei sua pele transparente como quem experimentou e viciou os mecanismos, os remotos, as paisagens.
desejarei as descrições detalhadas dos casulos.
as gotas-violetas-peroladas num refrão de escassez.
os mapas ígneos da obsessão.
os preenchimentos intermitentes.


e é por isso que prendo nosso tempo com o tubo das maquetes íntimas, meu cordão umbilical.
e é por isso que jogo pedrinhas pluviais na janela da conseqüência e a agiganto.
e é por isso que restauro meus cílios tão desfigurados.
e perfumo as tranças da perplexidade.

ursos de malha ofegando através da costura dos nossos vestígios:
souvenirs fátuos no banquete da doação.
pólens de bruma.
ímãs da flacidez.

subo como a levitação da epilepsia por um orgasmo que afoga.
mastigando poentes & borboletas.
meus vasos sanguíneos diluem a pólvora dos degenerados.
enquanto assisto vislumbres turvos e me derramo, sob as vertigens de sua toga.


deixe que eu compartilhe suas asas. como quem não quer voltar. arrepios de veludo provando o imenso. trevos, caminhos, sentido. ordem de rupturas. alinhamento líquido das dilatações. vasos destruídos. medidas em órbita.

rasgo.

fundo.

coração."

david

angústia

tenho o coração apertado agora.

triste sem motivo aparente e com vontade de ouvir coisas em espanhol. língua forte e arrebatadora como a paixão que tive noutra cidade. curta como o tempo de queima de um cigarro, do qual ainda sinto o cheiro dos dedos e na roupa e ainda procuro a guimba perdida que me caiu da mão esquerda.

saudade do que nem cheguei a viver.

a procura de sentidos, a beleza complexa de um texto me comoveu. não fui eu quem o escreveu, talvez nem o poderia. você deve lê-lo no próximo post.

david

sexo pago

a porta abre, fecha.
dois segundos de luz, de fresta.
dois metros da cama à porta.
dois passos, a cena corta.

dois corpos nús em pêlo, quanto pêlo. Quatro mãos desdadas.
pernas demais, braços demais. Caminhos demais pra desbravar.
pés que descem, sobem, tocam, levantam morros.
olhos que fechados apontam pro teto, gemidos que escorrem do forro.

a cama, a planície regida pelo atrito.
os corpos que se encaixam,
o gozo,
o grito.

já é tarde. A fresta não mais disfarça. O dia vem, não bate à porta trancada.
um corpo sai. Um corpo fica.
algumas pernas procuram roupas, algumas mãos tateiam caminhos.
uma rótula estala, um joelho range.
uma porta abre, fecha.

o quarto silencia,
o atrito cessa,
e o sol deixa visível o prazer que escorre pela parede.

murilo

quarto 116-a

eu devo ser muito besta ou muito egoísta, ou muito besta e egoísta tudo de uma vez só. acho que me faltou o pingo de altruísmo que vem de fábrica, não que tenha me faltado a compaixão - isso nunca - mas compaixão pensada não chega nem a ser compaixão, ou chega?

estou pagando a língua, como dizia minha irmã, um dia essa língua preta cai. boca praguenta a dela. e se a língua ainda não caiu, a orelha está prestes à, já explico o porque. o problema comigo é que só me importo com o chamado próximo quando estou bom, enquanto estou mau, bom, ai o leonino fala mais alto, olhos só tenho pra mim.

de volta a questão da orelha. fazem três dias hoje que eu estou internado num quarto com três desconhecidos, a situação não vem ao caso - porque o meu objetivo não é me martirizar. daqui de onde estou sentado tenho uma visão geral dos quatro cantos do aposento. a porta bem à frente onde as enfermeiras passam. parênteses, digo enfermeiras, assim no feminino plural, porque os preconceitos têm fundamento - homem enfermeiro é a mesma coisa que mulher enfermeira, frescos, fecha parênteses.
um pouco pra esquerda, na diagonal tem o sujeito que me fez perceber que não passei na fila do altruísmo. não está doente e fica sentado o dia todo, anda só o necessário pra amparar o pai que mais parece uma estátua velha e magra de buda. sempre com as pernas dobradas e cochilando, um pé enfaixado e uma careca idosa. ao filho do buda também é necessário dizer que fala, fala muito, uma voz de caipira genuíno que me lembra meu tio dilo falando.

no canto, mais pra lá do filho do buda, tem o senhor de bigode que até hoje eu não sei o que tem, pelo menos não é aparente, deve ser grave. grave também é a voz dele, sempre que ouço me viro pra certificar meus ouvidos que sei de onde vem aquele som. é uma voz abafada, meio metalizada, no começo achei que estivesse com aqueles tubinhos de respirar pela garganta - mas a voz é dele mesmo. e, enfim, a última das figuras - e a mais estranha - é o nordestino que mora na cama adjacente à minha, olhando assim parece que não tem é nada, mas de noite - quando tira a camisa pra vestir o pijama - posso notar a cicatriz do umbigo até o limite do púbis - intestino na certa. é o mais estranho dos três, está doente e não pára de sorrir. fala pelos cotovelos como se não houvesse lá fora, só esse quarto de hospital. como fala! junta com o filho do velho buda e engata uns papos sobre pescaria, trabalho e religião que eu fico só escutando e desejando não ter de escutar. é do tipo que chama a esposa de muié, como se fosse um objeto, acho de uma ignorância tamanha, mas não falo nada. dos papos deles nada salva, nada. e o que mais irrita é quando usam os diminutivos e aumentativos em lugares errados. o filho do buda acabou de dizer carnona, carnona, onde já se viu... fora quando não engolem o plural das palavras, as menina, as carne, as moça. acho que isso me irrita mais, eu me seguro. me faltou a piedade mas não me faltou o controle. mandar esses velhos à merda - a essa altura do campeonato - não vai adiantar em nada.

como gesticulam esses velhos. parecem dois pescadores bem burros contando uma mentira bem grande sobre a pescaria de ontem. são tipos. o buda velho eu nem conto porque ele mais dorme do que faz qualquer outra coisa. já os outros são uns caipiras, no sentido pejorativo, porque eu sou caipira e não sou burro assim.

mas nem tudo é de todo mal. as enfermeiras - por exemplo - sucetíveis e desprovidas de qualquer emoção e conhecimento que não seja técnico. veja você que uma delas me chamou de culto por estar lendo João Ubaldo Ribeiro - que ela nem sabia quem era, coitada. não a culpo, na verdade encaixo-a na categoria de quem não teve sorte na vida, mas em aspecto algum são como esses chucros que só vivem de passado e falam alto. as coitadas pelo menos sabem pegar uma veia como ninguém, isso tem seu mérito...

murilo.

galinha!

eu estava voltando do brazuka quando dois manos estavam vindo na direção contrária, na parte mais escura da rua saint martin (eu, imbecil, que sempre faço o mesmo caminho, quis mudar logo hoje!). aí pensei: fudeu geral, tomei no cu. um deles falou: ow, mano! cê tem um cigarro aí pra nóis? daí eu: cigarro? ele: é, cê num tem? eu de novo (coração acelerando e eles chegando perto): é... cigarro! claro, tenho sim! chega aê! (realizando a teoria da aproximação social). tirei o maço do bolso e dei um cigarro pra cada um. enquanto fazia isso, o mesmo mano disse: ow, cê tá muito loco? eu: nada, tô de boa, véio... ele: acabamo de fumá uma pedra, tamo muito loco... o outro: é, pode crê! eu (num quase desespero, nenhuma pessoa viva na rua): vixe, eu tô de boa, meu irmão. eu, de novo (porquê desandei a falar): ow, vcs têm fogo aí? (quando muito rapidamente lembrei que eu, que oferecia o fogo, estava sem a merda do isqueiro pra fazer "amizade") ele, o falante: fogo eu num tenho não, tenho isqueiro. eu: ah, então de boa! ele: qué o isqueiro? eu: não não... vou fumar não valeu! (é, agradeci o mano) fui saindo. eles, graças aos cigarros (que um dia ainda podem me matar), ficaram satifeitos e foram embora também, pro outro lado. voei como nunca pensei que pudesse voar. suei, também como nunca antes tinha suado. me senti como uma galinha quando cheguei em casa.

david