desassossego

dizem que, a uma certa idade, nós as mulheres nos fazemos invisíveis. que nossa atuação na cena da vida diminui e que nos tornamos inexistentes para um mundo onde só cabe o impulso dos anos jovens.

eu não sei se me tornei invisível para o mundo, mas pode ser. porém nunca fui tão consciente da minha existência como agora, nunca me senti tão protagonista da minha vida e nunca desfrutei tanto cada momento da minha existência.

descobri que não sou uma princesa de contos de fadas; descobri o ser humano sensível e também muito forte que sou. com suas misérias e suas grandezas. descobri que posso me permitir o luxo de não ser perfeita, de estar cheia de defeitos, de ter fraquezas, de me enganar, de fazer coisas indevidas e de não corresponder às expectativas dos outros.
e apesar disso… gostar de mim.

quando me olho no espelho e procuro quem fui, sorrio àquela que sou. me alegro do caminho andado, assumo minhas contradições. sinto que devo saudar a jovem que fui com carinho, mas deixá-la de lado porque agora me atrapalha. seu mundo de ilusões e fantasias, já não me interessa. é bom viver sem ter tantas obrigações. que bom não sentir um desassossego permanente causado por correr atrás de tantos sonhos.

“a vida é tão curta e a tarefa de vivê-la é tão difícil que quando começamos a aprendê-la, já é hora de partir"

minha mãe (do murilo)

ugly as far as you can be

cacofonia
cacofônica
cafônica.

murilo

l'avant-dernière coup

(il y a longtemps, mais maintenant c'est comme une résponse)

le samedi soir
j'étais seul
et je buvais de la vodka
dans ma chambre
où il y avait
seulement
des cigarettes mortes

david

no meu quarto

tem roupa minha por toda parte.

tá cheio de roupa que não é minha.
tá cheio de roupa de quem eu nem sei quem é.

david

último trago

...palavras não lhe enchiam uma colher rasa,
por isso o cinzeiro sempre cheio.
encontrei-o assim,
estirado na cama,
um cigarro na mão.
dizem ter morrido de inexpressão,
via palavras na fumaça.

sempre me perguntei o porquê de janelas sempre fechadas.

murilo

você é linda, mas não significa nada para mim.

nossos esforços não irão nos redimir do pior que está por vir. não importa ou se faz questão de quanto lutamos para isso dar certo. nada disso irá acontecer. o que podemos prometer a nós mesmos é que não olharemos para trás e ficaremos pensando, deitados em arrependimento e resignação, em que momento nossos dedos se desataram e escorreram por debaixo da mesa. não adianta mais pensar, no que poderia ter dado certo. o que não se pode negar quando nos afogarmos em orgulho para ficar emersos sobre as lágrimas, é que não vamos ousar. não vamos nos amar. não vamos querer ver mais um o outro. eu quero ir embora. e mesmo que ainda sob passos pesados eu queira algo constante sobre meus pés, não olharei para trás, não darei a volta. eu não posso garantir que você ficará bem, eu só posso me certificar que eu não ficarei mal. mesmo quando estiver deitado no chão da sala, dirigindo triste com os faróis apagados em devaneios sem volta, querendo aspirar cada golpe de brisa, cada beijo sem resposta, mesmo quando abrir a janela e debruçar-me sob cada sentimento enquanto espero a chuva - gosto de ver a chuva caindo abrindo os guarda-chuvas em botões na rua, porque quando caem as onomatopéias no telhado de zinco lá fora, sinto chover aqui dentro também – mesmo quando meus olhos forem apenas garrafas vazias e copos quebrados, mesmo quando minhas roupas ainda perpetuarem seu perfume, não me enterrarei em cova rasa, não velarei esperança. porque as velas que desenhavam nossas sombras no quarto escuro e riscavam movimentos contra a luz, já foram consumidas pelo calor da chama. e agora só resta vergonha e medo. nós que éramos íntimos da escuridão, que tateávamos encaixes à quatro mãos, conhecíamos cada presença, cada parte e peculiar intimidade, não conseguimos mais unir duas em um. não preciso de ajuda para limpar o chão ou juntar os cacos. se sempre estivemos aos pedaços, não queira juntar tudo agora. prove o resto, leve o resto. eu vou entrar perpétuo por debaixo das cobertas e manter naquele espaço que descobrira entre travesseiros e braços sua ausência. vou me envolver na presença no vazio, no colo da madrugada. e deixar que as paredes pintadas do quarto não me sufoquem com sua presença ainda fresca.

gustavo.

bom dia câncer

a boca amanhecida pede por água, pura,
mas nada que um trago do primeiro cigarro não cure.
uma vontade soprepondo-se à outra
até que a mesma boca seca e rouca
trague enquanto a brasa dure.

depois disso os pássaros podem cantar,
o sol pode nascer...

murilo

paciente: gustavo c. stevanato

diagnóstico: pessimista, preguiçoso, cínico, ranzinza, rude, com desvios graves de caráter, dissimulado, sexualmente ativo, mentiroso, pseudo-intelectual vanguardista, nada confiável, fígado corroído, uma fraude crônica.

2:30: o médico já assinou consigo mesmo o tratado que apenas esse paciente – no caso o idiota que vos fala – o separa do cigarro. então, vamos ser práticos. mão no queixo, coça a cabeça, cerra os olhos, tira os óculos, saliva, saliva, saliva, morde o lábio de baixo, um grunhido qualquer de quem está dominando a situação e pronto. diagnóstico feito e ironia marcada: “você não parece que está com muita dor”. “mas estou com dor, sim” – essa é a resposta combinada pelo contrato social envolvendo minha educação e bom senso com a medicina. mas recolhendo o desaforo já guardado no bolso esquerdo da calça, pensei: “doutor, eu preciso estar pincelado com magenta e verde para o senhor entender que estou mal? eu não estou com ebola ou tifo. estou com dor no maxilar e muita dor de ouvido. se faz necessária uma necrose facial para o doutor entender que não me sinto bem? dê-me um remédio para isso e vou embora sem compromisso de retorno ou mágoas. e ficamos quites. o senhor finge que me tratou com excelência e eu finjo que estou satisfeito com seu diagnóstico. pode ser?” claro, terminado o pensamento, escorrido o veneno, o momento escapou-me entre os dedos. levaria o desaforo e o troco do café para casa.

3.20: chego à outra sala para tomar uma injeção – não fui embora ainda porque não existem visitas rápidas ao hospital, ou você demora a vida ou a deixa por lá mesmo, engavetada em cova rasa. o interessante é que não se aplicam mais injeções. agora, incluídos no avanço tecnológico – ou na falta de recursos – os medicamentos são aplicados via soro. o que aconteceram com as enfermeiras braçudas e grosseiras e tatuadas, com as agulhas e todo momento de tensão e psicose ao se aproximarem de uma veia? será que a vigilância sanitária descobriu que as estagiárias compartilham agulhas e as aboliram do hospital? claro, desfazendo a ambigüidade e sonho, as agulhas. não foi possível evitar o confronto com o brutamonte de traços de concreto desfeito, paralelepípedo trincado. dirijo-me a sala procurando a cadeira elétrica ou tripé de soro mais firme para se enforcar. não os vejo. apenas poltronas confortáveis a minha frente, pessoas desconfortantes do meu lado. velhos, muitos velhos. estou bem perto da morte, diria na verdade, ao lado, dividindo ombros. o universo igualava os anos de vida e poeira acumulada no espaço. orelhas e olhos distendidos pela gravidade dos anos. e bocas, muitas bocas duelando com a capacidade de bater os dentes amarelos e podres escorrendo saliva e veneno. como eu queria que aquela sala fosse uma câmara de gás. por um momento, achei que seria imune ao banho tóxico de expiração nítrica. e naquela altura a morte não seria um problema – pelo menos para eles. eu faço questão de quando tingir as cãs nas têmporas, morrer, sem cerimônia alguma. eu deixo a corda correr solta durante o mesmo momento que confesso essa morbidez. se já conto vinte anos, outros vinte - talvez estes mais cinco – se fariam suficientes. não preciso ficar velho para me dar conta que sou chato e ranzinza e reclamo da vida. tenho espelho em casa e informantes constantes atentos a cada passo dado, a cada gota de veneno borrifado. então, dali para frente – marcado pelo momento histórico p.m (pós-mim), pelo menos em minhas notas fúnebres assim estará - podem chamar os carrascos, anunciar o dilúvio, atiçarem os gafanhotos, eu não a mínima. não estarei mais na platéia. podem continuar se desintegrando à vontade com o resto de pó no canto da sala. vou para o raio-x. e desculpem-me pela bagunça.

4.15: sentado na sala de espera. simplesmente me acomodo na cadeira de pés agudos de ferro como se fosse berço esplêndido sem som do mar e com a luz do sol do céu profundo na cara. assim mesmo, sem óculos de sol retro chic, protetor ou bronzeador solar fator 40, bola colorida ou garota de ipanema me dando mole na beira da praia. mesmo nestas condições, odiaria tudo, porque detesto praia. descanso meus ossos em posição cômoda, exceto o maxilar que dorme de mau-jeito. preciso distrair. relaxar. cigarros? os fumantes se reúnem na oncologia, mas não tem mais nada aceso por lá. então vou queimar as pessoas, acender meu ódio. trago os olhos fora de foco para a figura de quem chega. mulher, 45 anos, vestidinho de lavadeira, sorrisinho de puta. a moça do outro lado do balcão, “qual o endereço?”, eu respondo: “ no olho do inferno, aluguei um puxadinho na casa do diabo, com vista para a praia grande, sua vadia”. na verdade, era mais longe. 3 ônibus, 7 quadras, e uma reza forte para não chover e alagar tudo. chamam meu nome. agora vão ver se sou amargo até os ossos mesmo.

5.15: fui para o nada, tomei soro no almoxarifado, tirei um negativo em tábua rasa e em cova fria, e voltei para o lugar nenhum. o médico, agora, um clínico geral. um clínico geral tem a mesma função que o balcão de informações: dizer que você está errado e o que você procura não está ali. “doutor, eu acho que meu maxilar está fora do lugar”. “não, não é isso não. deixa eu te explicar. não é minha especialidade, mas posso te indicar outro médico para te analisar e dar um diagnóstico mais preciso”. “mas doutor, eu não consigo falar e minha boca está sangrando. o senhor tem certeza que não é aqui na boca?”. “não sabemos e ainda não podemos ter certeza de nada. pode ser um pêlo encravado ou um pé quebrado. não podemos afirmar nada”.
enquanto isso, vou bebendo café de água de calha, folheando a manchete, conhecendo pessoas novas, gente bonita, doente, catatônica, com fratura exposta ou rasgada de fora a fora. adoro. ficarei aqui esperando um médico com especialidade em pessoas, para desintoxicar meu brio e colocar ataduras no meu ego. e torcendo para não ter contraído varíola.

gustavo

believe or not believe?

(constatando o quão volúvel eu posso ser)

when i was a kid, my mom, like good christian woman she is, taught me how to pray. “bend on your knees sweetheart and cross the hands like this”, she used to say. i was young and really didn’t know what was all that for. i mean, it’s hard for a kid to understand the power of something that you can’t see or touch. but even so, there was me every day, praying and talking, a little bit confused i must confess, with my God. i just realized the meaning of all that many years before when my belief started to fall apart.

its called faith when you believe in something that you cannot see or feel, but you know exists. like when i was beside my bed talking with the ceiling with my crossed hands. i was having faith. and i have to say that i liked to do that. you know, believe that there are something more upstairs looking for us, protecting and keeping the bad things away. since then the only thing that i though could protect me was my mom. my flesh and bone mom that with just one hug could filled me up with confidence every time i was scared.

but now i had angels all around me. like guardians surrounding my room. it felt so good that sensation of being watched by someone good every time. i wasn’t scared anymore. there was nothing to fear about, the angels were keeping all the evil away from me. i was safe. sometimes, when i was scared to hell, i just lay down behind the sheets and started to figure out how the angels looked like. i’d like to imagine they like people, like my mom. dressed in white, with kind blue eyes. in a couple of minutes the fear was gone.

(…)

it was a long, long time ago. from that time to now i’ve heard lots of things about angels and God. it’s impressive all the theories that surround this religious universe. it was when i stopped for think about the meaning of all that. trying to find a way to prove to myself that all that stuff was real. the beginning of my faithless. i guess sometimes you don’t have to think about things, just believe in it, because when you try to prove it become senseless. part of me still believes and sometimes i still catch myself praying in my thoughts. but the other part, the one that i call my “complex of Saint Thomas” half, keeps arguing if a bunch of words will have any effect.

it’s like if i’m divided in two completely different persons; the believer guy that still believes in how people can be good when they want to; and the faithless man that, every time that turns on the tv and see the wars around the world, insist of saying “if there is somebody watching all this, it’s better start doing something”.

frankly? yes, i still believe. i don’t know for sure, but deeply inside me i can feel a tiny hope that something is being doing to fix the humanity. i don’t know when it will happen, but i can’t let myself to not believe in change. if i could, well, i think i would be lost forever. because faith, and now i realize, it’s the only thing that hinders me to become one of these lost souls.

maybe God do write right in not straight lines, who knows?

murilo

waiting for something big

(descobrindo que escrever em inglês ajuda a ser sucinto)

the human kind is lost. that’s a fact. we simply stopped in time, living like soul creatures when there’s no soul, just instinct. after the invention of Jesus and all that religious stuff we simply lost our creativity. medicine progress, art, education, politics, what is all that for? what is the meaning of living if everything was already invented? yesterday life used to be a box full of surprises. today is just a box full of illusions of surprises, an empty box. doesn’t matter what you say or what you do, somebody already did it. we’re copies. the guy that predicts that in the future the robots will take the earth and destroy all the humans was right. it’s just that there are no robots, just copies of copies of copies of what men used to be: great.

from now on is just future. a blanket page, where men and women have to draw the next step of their lives day after day. is that right? life shouldn't be a living creature taking ways that are not wrong or right, ways that are just ways?. there is no right or wrong, so why we insist on separating things in that way? bad and good, like if we were masters in the art of feel. we’re just shit above shit. that’s what we are. no matter how hard we try to deny it.

everyday we listen to people that hope one day something big happen. and everyday something big happen just in front of their eyes and isn’t big enough to anyone. maybe everyone is waiting the sun to explode and destroy every minimal thing that we used to know as simple, usual. maybe this would be big enough. or maybe the sun won’t explode and all this shit about “living our lives while we still can” is just another anecdote created by someone that one day realized that humans just work when they have something to expect. i'm tired to expect.

i don’t want to live in a world where everything was invented to create an illusion of happiness. and i don’t believe something great will happen. everything that should happen just happened a long time ago. we’re just waiting for someone or something that won’t ever come. there's no messiah, no aliens, we are alone in this universe. face this reality just will make us insane, and who once told us that madness is a poor state of life was so wrong…
here is my advice for all this shit: get mad or face the truth, life, nowadays, is just a box full of illusions, an empty box.

murilo

o inferno são os outros

eu acho que não gosto muito das pessoas. nada contra elas. ou tudo contra, na verdade. as pessoas são chatas demais. precisam de favores, dependência, plantões, noites mal-dormidas e companhia nos dias de menor inspiração. parece-me que fora de relacionamentos, ainda sustento vários. e o pior compromisso é saber que elas se importam com você – e não dormem com você. não que pense que morrer sozinho seja uma boa idéia – e também não quer dizer que a descartei – mas é que as pessoas realmente acreditam que me importo. a verdade? não. os ombros molhados, as contas quilométricas do café e os porres nas festinhas não vão me fazer gostar mais de você.

eu não desprezo as outras pessoas, se outrora pensasse em alguma delas, decerto desprezaria. mas agora não. não estou pegando pesado, a critério, bem leve – quando a rigor não queria nem tocá-las. talvez o lapso de adoração que tenho pelas pessoas é saber que elas são fáceis de abandonar. indiferentemente. nós perdemos pessoas todos os dias, e quiçá, por todos os minutos. sem nenhum remorso. e é isto que as faz por minutos suportáveis interessantes. saber que elas irão embora. e quando elas não vão, eu vou. de caso pensado. sem desculpas de ir ao toalete ou promessas que voltarei depois ou que vou ligar no dia seguinte. viro as costas e desapareço nos frangalhos da comunicação e do que mais ficou a frente dos meus pés. não fico mais suspenso em expectativas. elas não significam nada para mim. um último toque e irei embora, e vamos fingir que significou algo muito maior - quando na verdade foi menos do que insuficiente. e mesmo num último toque, num breve suspiro, nós mentimos, ou pelo menos eu o faço sem pesar algum. quando respiramos fundo demais, quando jogamos o olhar para as banalidades dos instantes ou bebemos copiosamente um copo vazio e sempre, sempre quando hesitamos e engolimos o caráter e alguma dignidade a seco. mas nunca quando ruborizamos. e parece-me a vergonha o sentimento único do mundo em verdade.

não que de fato, acredite que a verdade é de longe a solução de todos os problemas. na verdade, é a causa mortis deles. desde as verdades dita em horas impróprias sob a graça de uma gafe a mais cristalina e transparente das verdades que acompanham as formalidades e os casais em seus escândalos, copos quebrados e alianças tomando vôo pelas janelas. e decerto, é inevitável que todas as pessoas mintam. assim como evitar o mau-humor no café-da-manhã ou o câncer batendo em sua porta. o que diferencia as pessoas uma das outras é um motivo – e quando não único, a situação fica cada vez mais interessante. e não deixamos de amá-las ou odiá-las por isso. ao contrário. devolvemos fascinação aos canalhas e vangloriamos os bandidos. mas ainda me parece o ódio muito mais divertido. e rende ótimas e fugazes conversas, porque falar mal das outras pessoas pode parecer sempre errado, mas nunca um engano.

gustavo

um é pouco, dois é bom, três é?

(título cliché à parte)

inícios de blogs, de livros, de posts, inícios em geral me desconcertam. são vazios como todos os bons inícios. descrevem ou dialogam ou não fazem nada como este. servem apenas para dizer: aqui começa alguma coisa e esperamos que seja algo válido. isso não é um projeto. não é um passatempo. não é uma forma de expressão. são apenas três pares de mãos e três fluxos de idéias. diferentes. inconstantes. incapazes (separadamente). são trinta dedos que escrevem. não juntos. e que fique bem claro que não há relação de amor por parte desses dedos. de fato eles se odeiam. se desprezam. se subestimam. são dedos que jamais poderiam formar uma única mão.

murilo