até que a morte me separe de vocês.

- eu, gustavo stevanato, deixo em testamento: meus livros e meus pensamentos sujos para graziele shimizu, meu estilo impecável e borras de café e futuro para flora miguel, meu ray-ban retro e as listras das minhas camisetas para david santoza, meu aspirador e meu apêndice para murilo moro.

- gustavo, você só precisa dizer aceito.

- desculpa. aceito, é... acho que aceito sim.

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eu nunca peguei um buquê. nem ao menos conheci que tivesse chegado perto do mesmo. talvez seja lenda ou pretensão de tia gorda e largada, ou tenha mesmo me sabotado este tempo todo para não casar.

 

não é porque não tenho terno ou religião. essas coisas se pegam emprestadas, são negócios de ocasião. e o problema também não é propriamente as candidatas. desfruto de bons vinhos e certo conforto em alguns corpos. o que não quer dizer que tenho todas as mulheres aos meus pés – por falta de oportunidade e tempo imagino.

 

minhas preocupações não estão comprometidas com os votos ou com o sim. essa é a parte fácil. e obrigatória de certa forma – qualquer pessoa pode dizer que ama a outra, não é tão difícil quanto parece ou tão impossível quanto se pensa. porque não sobram dúvidas ou falsidade ao dizer que amo e aceito uma pessoa para ser minha companheira pelo resto da minha vida. porque o amor vence tudo, ou qualquer verdade.

 

por isso é fato consumado e respeitado que não pode haver não. as condições são sempre as mais favoráveis possíveis. as ex-namoradas ciumentas, obsessivas, maníaco-depressivas ou com algum histórico de violência doméstica não foram convidadas. e se o foram por algum motivo escuso ou prima gorda, aquelas ficaram plantadas na porta ou sedadas na limusine. as tias invejosas e amigas agourentas e encalhadas só são serão percebidas na festa, com seus vestidos estampados gordos e horrorosos, onde pequenas margaridas viram enormes girassóis esticados. elas não causarão maiores estragos do que respirar em sua presença. então, não há porque se amarrar a grandes preocupações, você está se casando e isso já é uma. por isso, o caminho para o não e para a felicidade já está totalmente liquidado, e o que te separa seu ser canalha do inferno familiar é apenas um sim.

 

mesmo porque quem se atreveria a dizer não para alguém depois de ter organizado uma cerimônia para quinhentos convidados, gastar fortunas com o bufê, pedir dinheiro emprestado para o pai da noiva, e como não se bastasse, entrar no cheque especial para comprar o vestido– que você nem pode se dar ao luxo de ver antes, mesmo pagando por ele, por cada fio e renda – vender a alma para o diabo do divino sacramento religioso para conseguir uma paróquia para o dia desejado e dividir em suaves pagamentos até as bodas de prata as prestações de uma viagem para a europa?

 

ninguém, meus senhores. por isso que se chama cerimônia de casamento, porque, obviamente, irá acontecer um casamento e querem que você esteja presente – e levem presentes, porque, afinal uma casa e um casal não se mobíliam sozinhos. não adianta agourar, amarrar trabalho ou fechar a macumba. não é novela do manoel carlos ou filme do richard gere. desistam. se quisessem mesmo dizer não para outra pessoa, não chamariam setecentos convidados para presenciar seu fracasso pessoal e sua vida sentimental degradada; acredito que o fariam num café escondido no centro de são paulo, num dia de chuva e poucas perspectivas de futuro, pagando 2,50 por dois cappuccinos e um croissant. e ao final deste momento pediria a sua mão que se recolhesse com seus trocados e dispensasse as alianças, porque eu pagaria a conta. porque sou um gentleman, e o que me falta de caráter é compensado pela boa educação. deixo para o garçom umas moedas e o peso do matrimônio na caixinha de gorjetas. saio com os bolsos e a consciência limpa.

 

penso então que meus relacionamentos justificam minhas escolhas. meus affaires não possuem estabilidade psicológica suficiente para manter um relacionamento. e o que diria um casamento. é uma das vantagens de fazer inclusão social na ala da psiquiatria – outra é que o sexo é tão excitante à medida que foge da normalidade, ao ponto de pensar que papai-e-mamãe é coisa de idosos e inválidos e 69 brincadeirinha de adolescentes nojentos. e aí penso que esse brincar de médico talvez tenha ido longe demais.

 

finalmente, o problema que vela o casamento, do gole seco do sim ao arroz de festa alvejado contra os noivos, é o fato de soar tão definitivo, tão final. o matrimônio não soa com um começo, mas um fim. é frustrante pensar que depois de tudo, não resta mais nada. saber que não lhe restam mais surpresas e forças, pois, do altar para frente, sua vida será toda planejada e estruturada, e você não dará um passo para fora do matrimônio sem deus ou esposa saberem - ou não; e é ai que surgem as emoções e os advogados e desaparecem-se os bens.

 

senhores convidados presentes, aceitem que o casamento está longe de ser uma caixinha de surpresas ou uma montanha russa de emoções. por trás de todo glacê e clara em neve do bolo de casamento, marido e mulher são cozinhados em banho-maria, em água morna. não há espaço para inovações culinárias. é o básico, o necessário, o arroz com feijão, o açúcar com afeto. e mesmo assim, às vezes azeda.

 

por isso penso que nunca me casarei. porque não acredito no casamento, porque não acredito suficiente em mim. o casamento é um pelo outro, e eu quero só eu. amo-me demais para me dividir com outra pessoa. mas se ainda assim, um dia caminhar contra minhas convicções e quiser ir mesmo até que a morte nos separe, espero ao menos que ela não demore demais.

 

gustavo.

8 comentário(s): Postar um comentário
  grazi shimizu

29 de dez. de 2008, 17:55:00

a coleção do nelson é minha, gotcha!

  grazi shimizu

29 de dez. de 2008, 17:56:00

ps: ÓTIMO texto, muito ótimo.
e eu, apesar do último e glorioso fracasso matrimonial, ainda acredito no casamento e no amor e no felizes para sempre :)

  Laurita Danjo

29 de dez. de 2008, 18:36:00

Owww eu tô aqui!!!!

  cesare r.

30 de dez. de 2008, 22:14:00

e ainda ter que aguentar aquele tema musical mais desgastado que suas camisetas do iron maiden e os incontáveis paparazzi [nesse momento glorioso todos são celebridades perseguidas por eles] se acotovelando e exigindo sorrisos e mais sorrisos enquanto tudo que a sua ansiedade deseja é beijar logo a noiva[o], dar o fora da frente do padre e partir pra sacanagem...

  três contra três

31 de dez. de 2008, 10:06:00

o aspirador será aceito de bom grado =)

  Renata Penzani

8 de jan. de 2009, 00:34:00

e eu que nem sabia da existência do blog, estou me tornando uma propensa freqüentadora.

  Renata Penzani

8 de jan. de 2009, 00:38:00

acontecimento digno de nota:
quando vi o nome, não reparei no "r" do segundo "três", e pensei que fosse trêscontrastes. tá, inventei também um "s" no meio disso tudo, mas a gente bem sabe que os nossos olhos vivem fazendo bobagem e que o nome inventado daria super certo...

agora que já compartilhei isso com alguém, posso seguir a minha vida.
=)

  david santoza

9 de jan. de 2009, 15:34:00

adorei, rê!

e mesmo que não seja é isso mesmo.