baby boom.

eu não suporto a paternidade. não acredito em relacionamentos, muito menos em filhos. nada mais. só não me vêm à cabeça ou põe-me em ereção a idéia de encher a casa de crianças mimadas e cães nojentos ou gatos encardidos. vivo a parte real da das coisas, não me escondo atrás da tampa de comerciais de margarina.

 

claro que tenho algumas fantasias – todas sexuais – para suportar os dias que não venço ou para quando for preciso inflar meu ego por todo bar, roubando todas as atenções e oxigênio do ambiente, sufocando de inveja meus amigos. mesmo assim, não curo depressão com sexo católico. não acordo chateado e me disponho a fazer um filho para preencher os meus dias com cor e luz – se o quisesse o fazer, abriria as janelas e explodiria uma lata de tinta vermelha nos lençóis impecavelmente brancos de seda.

 

parece sacrilégio, pecado ou politicamente incorreto dizer isto para as pessoas que se desdobram para movimentar os corpos debaixo dos lençóis e a economia das metrópoles com políticas de baby boom. mas que vão todos para o inferno. por que esta bomba tem que estourar justo no meu colo? porque esse carrinho-bomba que cruzar justo o meu caminho? se o governo quer filhos, faça como a madonna ou a angelina jolie e arremate um lote nas gôndolas dos países africanos.

 

não que não adore crianças. ao contrário disso. derreto-me em amores quando as vejo enclausuradas atrás de seus cercadinhos, amordaçadas com suas chupetas ou atadas em seus carrinhos. mas meu amor tem limites emocionais e econômicos. se não consigo gastar mais que duas semanas e dois cappuccinos com uma pessoa adulta e sexualmente ativa, como o faria com uma criança imaculada e protegida por lei, um menor com toda minha vida pela frente e uma fortuna às minhas custas ? não, não poderia.

 

e vêm me agora este raciocínio fetal e imaturo. não posso deixar de pensar que os filhos são bastardos das frustrações dos pais. eles não são e não têm em si próprios nenhum futuro. morrem prematuros em seus sonhos, enforcados com o cordão umbilical e com os desejos infantis de quem já passou do tempo de crescer. estes pensamentos em móbile não param de rodear minha cabeça: os filhos serão aquilo que os pais nunca foram, e levarão eternamente a culpa por isso.

 

arrebento todos os meus preservativos, despejo na privada o KY se isso não for verdade. eu aposto meus filhos nisso. os filhos ouvirão centenas de vezes, e repetidas e alucinantes vezes que os seus pais fizeram tudo por vocês – ao contrário de mim, que não moveria uma dedinho por eles. e não deixa de ser verdade, quando se sabe que se fazem por vocês, é porque não fizeram o suficiente por eles. os filhos serão os médicos que os pais nunca foram porque estavam doentes com seu fracasso; os advogados de uma causa dada desde o início como perdida; os psicólogos complexados e neuróticos que ajudam a vender todos os livros da estante de auto-ajuda. não há nada de errado nisso. é chance dos pais de ser o que quiserem, nos filhos, quando eles crescerem.

 

desculpem-me, mas eu não entrarei na fila da cegonha nem colocarei sementinhas em lugar nenhum. eu não quero passar o bastão, vou cola-lo na mão; não vou dar a coroa para ninguém, vou morrer com o rei na barriga; não vou ceder o trono, vou prender minhas unhas e dentes nele; não vou passar a bola, a coloco debaixo do braço e vou embora. sem olhar para trás, e muito menos filhos à frente. eu posso ser o que eu quiser ainda. não vou depositar minhas fichas e meu tempo em uma pessoa. em uma criança. ainda que meu filho. e pior ainda se meu filho.

 

iria espernear, chorar, para continuar a me mimarem, quero chamar todas as atenções só para mim. nunca aprendi a dividir, nunca emprestei nada para os meus coleguinhas.  a infantil idéia de ter filhos, ou a iminência de um filho, me embrulha o estômago num cobertorzinho, me engasga com um futuro de pelúcia. não agüentaria embalar nos braços outra coisa senão meu ego. crescer dói.

 

acredito que se nino nos braços um brio perfeito, não preciso de uma criança toda rodeada de mimos, toda fresca, enjoada e nojenta, chata e metida. eu não preciso de mais nada. não vou deixar meu ego de castigo. prefiro abortar. aborto meu filho, aborto até mesmo narciso. não preciso de um espelho enrolado numa coberta, meu reflexo babando numa manta. não quero minha cara no focinho de ninguém. meu olho é só meu, minha boca é só minha, meu cabelo é só meu e de mais ninguém. não quero minha imagem muito menos minha semelhança dobrada. ainda que delicadamente esculpida com uma chupeta em mármore de carrara. ainda que pintada de ouro numa incubadora de prata. não quero.

 

quero e irei continuar gestando uma mentira, vou prosseguir criando uma ilusão, deixando-a crescer até ficar maior que o pai. e quando não puder mais controlá-la a deixarei morrer.

 

e neste dia quero que meu ego e todo seu enxoval de mentiras me levem com ele. porque como qualquer pai, eu morreria pelo meu filho, e não suportaria viver um minuto sem ele.

 

gustavo.

7 comentário(s): Postar um comentário
  Anônimo

1 de jan. de 2009, 22:02:00

Desculpa parecer chato, mas você não mostrou esse seu texto pros seus pais né?

  Anônimo

2 de jan. de 2009, 02:20:00

na pós-modernidade, inexiste o conceito de família.

  Anônimo

6 de jan. de 2009, 02:10:00

aceito a decisão de não ser pai, mas não entendo o porque de tanta revolta com os filhos - não só os seus.
inclusive eu faria uma triagem dessas palavras e diria que você tem algum problema com o fato de ser filho. existe em tudo isso uma gotinha de rancor?
espero que não.

p.s.: estou torcendo pelos seus babies, sem querer desejar mal.

  Laurita Danjo

9 de jan. de 2009, 14:55:00

Adorei seu texto. Deu até vontade de contrariar toda a sua vontade mimada de não ter filho e te dar um...hehehe

  Gustavo Stevanato

10 de jan. de 2009, 02:40:00

obrigado pela oferta. estou disposto a tentar, mas não a conseguir.

  cesare r.

14 de jan. de 2009, 19:26:00

achei um tanto radical. especialmente porque supõe um egoísmo tão grande e generalizado dos pais que soou meio ofensivo...
é com posições assim que se queimar machuca mais.

mas não posso negar que essa foi uma excelente proposta rabugenta: "se o governo quer filhos, faça como a madonna ou a angelina jolie e arremate um lote nas gôndolas dos países africanos"

  Daniel Nérso

25 de jan. de 2009, 16:19:00

Acho que somos a única espécie no planeta que usa todas as forças para não sair proliferando por aí. Mas por entre tantas camisinhas, pílulas e abortos, tenho uma pequena curiosidade em saber o quão bem eu conseguiria treinar uma pessoinha. Quando eu tiver 40 anos, obviamente.

PS: Por espécie, eu quero dizer nossa geração e não a do meu bisavô com seus 14 filhos.